segunda-feira, 25 de abril de 2011

No vigésimo aniversário de falecimento de Dom Antônio de Castro Mayer

Boas recordações de Dom Mayer.

No vigésimo aniversário de falecimento de Dom Antônio de Castro Mayer, temos a honra de publicar esta colaboração do reverendíssimo Padre João Batista para o Fratres in Unum. Obrigado, Padre! E, principalmente, obrigado, Dom Antônio!
* * *
Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa
Conheci D. Mayer lá por volta de 1979, em São Paulo, na sede do conselho nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. Um amigo convidou-me para ir lá conhecê-lo a ele e ao Dr. Plínio Correa de Oliveira. Foi um encontro brevíssimo. Mas ficou-me uma boa impressão.
Passados alguns anos, um parente longínquo meu, o saudoso Dr. José Benedicto Pacheco Salles, convidou-me para ir à igreja de Santa Generosa, no bairro do Paraíso, assistir a uma missa de D. Mayer. Fiquei surpreso porque ele se recordou de mim e do encontro rápido que tínhamos tido. A partir de então, comecei a ter um contato assíduo com D. Mayer, que vinha com freqüência a São Paulo e se hospedava naquela paróquia regida por seu sobrinho, o cônego José Payne.
Era uma alegria assistir à sua missa celebrada em um altar tradicional situado no coro da igreja. Sempre se reunia um pequeno grupo de católicos da tradição, núcleo inicial desse movimento que se expandiu muito esses últimos anos em São Paulo.
Após a missa, diversas vezes fui convidado a tomar o café da manhã em sua companhia, porque queria pedir-lhe algum esclarecimento sobre minha vocação sacerdotal. Lembro-me de que ele me pediu que escrevesse uma carta a um padre de Campos responsável pelas vocações sacerdotais.
Em todas essas ocasiões, D. Mayer sempre se mostrou um homem bem humorado, alegre e sereno.  Sua conversação não se limitava ao assunto que em geral predomina nas reuniões de católicos tradicionalistas, a crise na Igreja e no mundo contemporâneo. Ele nos brindava com suas memórias da antiga São Paulo dos tempos da República Velha.
D. Mayer era um sacerdote formado em uma época em que não só a Igreja florescia sob o influxo da luta de São Pio X contra o modernismo, mas também a sociedade paulistana rejuvenescia espiritualmente por obra do grande arcebispo D. Duarte Leopoldo e Silva. As famílias católicas tinham a sua disposição bons colégios católicos e paróquias bem dirigidas por padres sérios e vida espiritual sólida. E D. Mayer deu uma grande contribuição para tal rejuvenescimento como professor de sociologia na Faculdade Sedes Sapientiae. Conheci uma senhora que foi sua aluna e me disse que grande professor tinha sido ele. A meu ver, foi o período áureo do catolicismo em São Paulo, e talvez em todo o Brasil. Com efeito, o Brasil crescia graças à cafeicultura, uma riqueza que propiciava industrialização e a ascensão social de classes mais modestas dentro de uma sociedade marcada profundamente pelos valores católicos. Hoje o Brasil cresce e a sociedade desmorona!
Lembro-me de que uma vez D. Mayer emitiu sua opinião sobre a decadência da sociedade brasileira. Disse que a Proclamação da República tinha sido um golpe contra nossas raízes culturais católicas, mas que a Revolução de 1930, guindando ao poder Getúlio Vargas, tinha aberto as portas do Brasil para o populismo esquerdista e a luta de classes.
Depois, fui convidado a ir a Campos e cheguei a ficar hospedado em sua casa algumas vezes. Desse período ficou a melhor lembrança de um bispo muito pio. Quando falava das coisas de Deus, as expressões que lhe assomavam aos lábios, vindas do fundo do coração, eram sempre Deus Nosso Senhor, Maria Santíssima e nossa santa religião. Bem diferente da maneira como muitos, até padres, pronunciam o nome santo de Deus. Edificava-nos só por sua grande devoção a Nossa Senhora, mas também pela maneira como tratava os padres e como por esses era amado e reverenciado. Nos dias de hoje isso é coisa rara. Tornou-se comum, infelizmente, um relacionamento frio e cheio de desconfiança entre o ordinário e o presbitério. A hierarquia festeja o povo de Deus e despreza o clero.
Desde então comecei a ler seus artigos e cartas pastorais. Em seus escritos é digno de nota tanto o seu rigor teológico, sua precisão de conceitos, quanto seu estilo castiço, sua linguagem elegante que lembra um Carlos de Laet, a quem ele muito admirava. Se hoje em dia no Brasil houvesse uma crítica literária idônea, D. Antonio de Castro Mayer certamente teria seu nome consagrado como um bom autor da literatura brasileira contemporânea. Não me consta que nenhum outro bispo tenha escrito tão bem como ele. Lia os artigos de D. Lucas Moreira Neves no jornal O Estado de São Paulo e, francamente, D. Mayer sempre me pareceu muito superior pelo conteúdo e pela forma. Se D. Pestana nos tivesse legado cartas pastorais, talvez pudesse ombrear com D. Mayer em nobreza de estilo e acuidade de espírito teológico. Infelizmente partiu desta terra deixando saudades dos seus belos sermões, mas privando-nos de uma obra de grande qualidade que poderia ter produzido. Realmente, foi uma pena, porque, se tivesse sido um articulista dos grandes jornais, como aqueles bispos que nos anos oitenta escreviam no Jornal do Brasil contra a teologia da libertação, sem dúvida D. Pestana se teria distinguido como o melhor deles pelo vigor e inteligência. Mas se tomou a resolução de nada escrever devia ter suas razões que não cabe discutir.
Como mencionei D. Pestana, aproveito para dizer que ele várias vezes elogiou D. Mayer como teólogo e professor de filosofia. Disse-me que D. Mayer tinha um método muito interessante para o ensino da sã filosofia: principiava suas lições pela refutação dos erros de Kant, conduzindo assim seus alunos a compreender bem o realismo moderado de Santo Tomás de Aquino. D. Pestana demonstrou-me igualmente, em várias ocasiões, certa compreensão pela atitude tomada por D. Lefebvre e D. Mayer em 1988. Sem nunca ter dito abertamente que apoiava as consagrações episcopais,  disse-me que D. Lefebvre tinha com razão visto que as tratativas com o cardeal Ratzinger estavam fadadas ao fracasso devido à pressão contrária do episcopado progressista da Europa. E mostrou-me uma carta dirigida ao papa João Paulo II em que lhe dizia que a disposição do motu proprio Ecclesia Dei que pedia aos bispos que liberassem a missa de São Pio V para os católicos tradicionalistas significava, na verdade, entregá-los às feras.
Desejaria finalizar essas recordações dando meu testemunho sobre a participação de D. Mayer nas consagrações episcopais de Ecône, em 1988. Acompanhei de perto o desenrolar dos acontecimentos de então e posso dizer que ele agiu com toda serenidade e convicção de que era a vontade de Deus. Após a consagração episcopal, houve um padre muito estranho e caviloso que o procurou para tentar achacar-lhe uma retratação. D. Mayer o repeliu com toda energia. Como ele mesmo disse, a excomunhão injusta não o deixava indiferente, porque, embora inválida, denotava o estado lamentável da parte humana da Igreja, que, por um lado, congraça no CONIC com as seitas e, por outro, rechaça seus próprios filhos.
Que Deus Nosso Senhor o recompense por sua luta juntamente com D. Lefebvre e D. Pestana, que, também, à sua maneira, conforme lhe permitiram as circunstâncias calamitosas da Igreja pós-conciliar, lutou contra os erros modernos. Três bispos fiéis, devotíssimos de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que confiaram plenamente nas promessas de Maria Santíssima: Por fim, meu Imaculado coração triunfará.
Anápolis, 19 de abril de 2011.
Quarta-feira santa

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