sábado, 17 de janeiro de 2009

O PROGRESSISMO DO CARDEAL SIRI




2. O “sociologismo”

Todos os que amam ser chamados progressistas piscam os olhinhos para o sociologismo mesmo se não sabem que coisa seja.

Ele consiste em transferir o fim da vida, o Paraíso, ao qual tender, a mola directiva das acções, do Céu para a Terra. Portanto, não é o caso de ocupar-se da salvação eterna, mas sim do bem-estar terreno, concentrar tudo no dar tal bem-estar e gozo igualmente a todos neste mundo.

A manifestação externa deste sociologismo é agir como agitador, demagogo, reivindicador dos bens transitórios, permissivo em todas as manifestações que exprimam o entusiasmo desta tendência.


Esta constitui a mais comum e expressiva característica do progressismo. Fique bem claro que nós devemos defender a justiça e que a ordem da caridade nos impõe ter como prioridade no objecto do amor os necessitados.

Mas se trata de outra coisa, porque o sociologismo não cuida da salvação eterna dos pobres e usa todos os métodos, até imorais, que considere mais ou menos favoráveis ao bem-estar terreno, mandando-os de fato ao inferno.

Longe de nós crer que tudo aquilo que se tinge de social ou de vermelho seja sociologismo e que os muitíssimos actores desta cena sejam sociologistas conscientes da apostasia inerente ao sociologismo. Dizemos apenas que na realidade aceitam as consequências de uma concepção materialista do mundo. Talvez não o saibam, talvez sejam simplesmente imitadores, talvez sigam o vento, crendo que ela expire naquelas pragas; talvez creiam agir como inocentes, talvez somente temam ser etiquetados como conservadores.

Vivemos em uma época em que se tem medo até das palavras! Talvez se trate de um modo de agradar algum poderoso, de fazer carreira e, o que é mais óbvio, de ganhar dinheiro: e assim pregam o dever para com os outros e, no entanto, se locupletam. Os exemplos são abundantes! A sociologia prática tornou-se uma indústria e, também aqui, os exemplos não faltam.

As máximas do sociologismo - tendo algum, somente algum, contacto com a doutrina cristã da justiça e da caridade, embora envolvendo outros ideais que negam duramente todas as verdades cristãs - são muito simples, ao alcance das mãos, aptas para o comício, para o consenso fácil, para o aplauso certo, quase visíveis, traduzíveis em termos de despesa quotidiana e, portanto, representam um caminho brevíssimo para estar em dia com os tempos!




Mas se sabe para onde vão os tempos?

Esta terrível pergunta, com o que coinvolve, não a respondem. Aonde chegaram as experiências, onde se detiveram? É mesmo necessário renegar o Céu, a caridade para com todos, para levar bem-estar a nossos semelhantes? É mesmo necessário ser revoltosos, ultrapassar diques, destruir tradições sagradas para se tornarem úteis aos nossos semelhantes?

Enfim, até no Santuário, ao qual estamos ligados por promessas sagradas, tudo isto é progresso ou, pelo contrário, não conspira para arrancar dos homens o último fiapo de dignidade humana e de esperança eterna?




3. A nova historiografia

Para os cultos, o progressismo tem um modo próprio de revelar-se a propósito de história; sou progressista se justifico Giordano Bruno, sou conservador se louvo o austero São Pedro Damião. Está tudo aqui!

Repitamos que se fala de historiografia na área da produção que gostaria de se chamar “católica”. Da outra aqui não nos interessamos.




A maior parte da produção – existem, é verdade, nobres e importantes exceções – parece obedecer, para estar em sintonia com o progresso, aos seguintes cânones:

- a sociedade eclesiástica é a causa primeira dos problemas que se abateram sobre os povos;

- a Igreja (para este propósito, alcunhada pós-constantiniana) teria feito, com contínuas reviravoltas, aliança com os poderosos deste mundo para manter uma posição de privilégio e de comodidade;




- as intenções impuras, as mais recônditas e malévolas, são atribuídas a personagens que até ontem eram considerados dignos de admiração. Por este sistema alguns Papas foram quase varridos da História, não se sabe com quais motivações;

- toda a história eclesiástica até 1972 foi panegírica, unilateral, construída com constante preconceito laudatório, enquanto nada mais é que um acumulo de pleonasmos que alteraram o vulto de Cristo. Esta conclusão (todos o vêem) constitui o fundamento para destruir tudo o que for possível na Igreja e reduzi-la a uma mesquinha cópia do Protestantismo. São Tomás More, mártir, foi posto no mesmo plano de Lutero;




- as vidas dos santos são reduzidas a dimensões humanas com defeitos, pecados, às vezes delitos, enquanto os aspectos sobrenaturais tendem a ser relegados ao campo dos mitos;

- o valor da Tradição e das tradições é totalmente desconsiderado, com evidente ultraje à objetividade histórica, porque as tradições que atravessam inalteráveis os séculos têm sempre uma causa que as geraram.


Poder-se-ia continuar.

Mas não se pode calar o reverso da moeda: os personagens são glorificados porque se revoltaram, porque desafiaram a legítima Autoridade, porque tiveram a coragem de destruir aquilo que os outros construíram, reivindicaram a “liberdade” do homem com a independência do seu pensamento, sem se importar com a verdade. Os hereges tornaram-se vítimas, cavalheiros...



Houve quem ousasse falar de uma canonização de Lutero. É condenável quem defendeu a liberdade da Igreja, a liberdade da escola católica, quem impôs aos renitentes a disciplina eclesiástica. Todos sabem a sorte reservada àqueles que ainda ousam salvaguardá-la!

Compreende-se muito bem a lógica interna desta reviravolta da historiografia: a santidade, a penitência, a verdadeira pobreza, a renúncia ao mundo sempre causaram incômodo e, dos seus túmulos, continuam a causá-lo , como se eles não pudessem jamais ser fechados.

É difícil ser acolhido no clube progressista quem fala bem do passado!

O progressismo - do Cardeal Giuseppe Siri (in «Rivista Diocesana Genovese»», janeiro de 1975, pp. 22-36)
Fonte:Oblatvs