sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Extractos duma entrevista de Dom Malcolm Ranjith, ex-secretário da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos




-Existe um desejo de se opor a tendências que banalizam a Missa?
"Em alguns lugares o sentido do eterno, sagrado ou celestial foi perdido. Existia uma tendência de colocar o homem no centro da celebração, e não o Senhor. Mas o Concílio Vaticano Segundo fala claramente sobre a liturgia como actio Dei, actio Christi. Ao invés, em certos círculos litúrgicos, seja por ideologia ou um certo intelectualismo, como preferir, a idéia espalha uma liturgia adaptável a várias situações, na qual tinha que se deixar espaço à criatividade para que ela fosse acessível e aceitável por todos. Então, particularmente, existiram aqueles que introduziram inovações sem ao menos respeitar o sensus fidei e os sentimentos espirituais dos fiéis."
Às vezes até mesmos bispos pegam o microfone e vão a seus ouvintes com perguntas e respostas.
"O perigo moderno é que o padre pense que ele está no centro da acção. Dessa forma o rito pode tomar um aspecto de teatro ou de uma perfomance numa rede de televisão. O celebrante vê o povo que o vê como o ponto de referência e existe o risco de , para ter o maior sucesso possível com o público, ele fazer gestos e expressões como se ele fosse a figura principal."
Qual seria a atitude correta?
"Quando o padre sabe que não é ele no centro, mas Cristo. No serviço humilde ao Senhor e à Igreja respeitando a liturgia e suas regras, como algo a ser recebido e não a ser inventado, significa deixar maior espaço para o Senhor, pois através do padre como o instrumento Ele pode despertar a atenção dos fiéis".
Os sermões por leigos são também desvios?
"Sim. Pois o sermão, como diz o Santo Padre, é a forma na qual a Revelação e a grande Tradição da Igreja são explicadas, para que a Palavra de Deus possa inspirar a vida dos fiéis em suas escolhas diárias e fazer a celebração litúrgica rica de frutos espirituais. A tradição litúrgica da Igreja reserva o sermão ao celebrante. Aos bispos, padres e diáconos. Mas não aos leigos."
Absolutamente não?
"Não porque eles não são capazes de fazer uma boa reflexão, mas porque na liturgia as funções devem ser respeitadas. Existe, como disse o Concílio, uma diferença "em essencial e não apenas em grau entre o sacerdócio comum dos fiéis de todos os baptizados e aquele dos padres"
Algum tempo atrás o Cardeal Ratzinger estava lamentando uma perda do sentido de mistério nos ritos.
"Frequentemente a reforma conciliar foi interpretada ou considerada numa forma não inteiramente em conformidade com a mente do Vaticano II. O Santo Padre define essa tendência como o "anti-espírito" do Concílio."
-Um ano após a plena reintrodução da Missa Tridentina, qual é a avaliação?
"A Missa Tridentina tem seu profundíssimo valor interno que reflete toda a tradição da Igreja. Existe mais respeito pelo sagrado através de gestos, genuflexões, os períodos de silêncio. Existe maior espaço reservado à reflexão sobre a ação do Senhor e também para o senso de devoção pessoal do celebrante, que oferece o sacríficio não apenas para os fiéis mas também por seus próprios pecados e por sua própria salvação. Alguns elementos importantes do antigo rito podem ajudar também numa reflexão sobre a maneira de celebrar o Novus Ordo. Nós estamos no meio de uma jornada."
Algum dia no futuro está previsto um rito que toma o melhor do antigo e do novo?
"Poderia ser,... mas talvez eu não vejo isso. Penso que nas próximas décadas nós iremos em direção a uma avaliação compreensiva tanto do antigo como do novo rito, salvaguardando o que for eterno e sobrenatural acontecendo no altar e reduzindo todo desejo de estar nos holofotes afim de deixar espaço para o contacto efectivo entre os fiéis e o Senhor através da figura, mas não predominantemente, do sacerdote".
Com posições alternativas do celebrante? Quando o padre se viraria para o abside?
"Você poderia considerar o ofertório, quando as oferendas são trazidas ao sacerdote, e dali em diante todo o caminho para a oração Eucarística, que representa o momento culminante da "transsubstantiatio" e "communio".
O padre que volta suas costas desorienta o povo.
"É um erro falar dessa forma. Pelo contrário, ele está voltado para o Senhor junto com o povo. O Santo Padre, em seu livro O espírito do Concílio [ntd: creio ser um erro de digitação do pe. Zuhlsdorf. O livro do Cardeal Ratzinger chama-se O Espírito da Liturgia] explicou que quando o povo está sentado olhando cada um para si mesmo, um circulo fechado está formado. Mas quando o padre e os fiéis olham juntos ao Leste, em direção ao Senhor que vem, essa é uma forma de se abrir para o eterno".
Nessa visão você coloca também a reabilitação (recupero) do Latin?
Eu não gosto da palavra ‘reabilitação'. Nós estamos implementando o Concílio Vaticano Segundo que explicitamente afirmou que o uso da língua Latina, exceto em caso de direito particular, era para ser preservado nos ritos Latinos. Então, se foi deixado também espaço para a introdução das línguas vernáculas, o Latim não era para ser completamente abandonado. O uso de uma língua sagrada é uma tradição em todo o mundo. No Hinduísmo a língua de oração é o sânscrito, que não está mais em uso. No Budismo o Pali é usado, uma língua que apenas os monges budistas estudam. No Islã o Árabe do Corão é usado. O uso da língua sagrada nos ajuda a viver uma experiência do "outro".
O Latim como a língua sagrada da Igreja?
Claro. O próprio Santo Padre fala em sua Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis no parágrafo 62: "Afim de expressar mais claramente a unidade e a universalidade da Igreja, desejo endossar a proposta feita pelo Sínodo dos Bispos, em harmonia com as diretrizes do Concílio Vaticano Segundo, que, com excepção das leituras, homilia e oração dos fiéis, é adequado que tais liturgias sejam celebradas em Latim". Claro, "durante encontros internacionais".
O que Bento XVI quer atingir dando nova força para a liturgia?
"O Papa quer oferecer a possibilidade de chegar à maravilha da vida em Cristo, uma vida que já na vida aqui na terra já nos leva a um sentido de liberdade e eternidade próprio dos filhos de Deus. E esse tipo de experiência é vivida poderosamente através de uma renovação autêntica da fé que pressupõe um antegozo da realidade celestial na liturgia em que se crê, se celebra e se vive. A Igreja é, e deve tornar-se, o poderoso instrumento e os meios para essa experiência litúrgica libertadora. E é sua liturgia que faz possível despertar tal experiência em seus fiéis"