sábado, 18 de outubro de 2008

Entrevista com Padre Rafael Navas Ortiz, Superior do Distrito Latino-Americano do Instituto do Bom Pastor: “a questão litúrgica que o Papa quer solucionar não se reduz ao mero aspecto estético ou cultural”.

Fratres in Unum: O senhor estudou em qual seminário e foi ordenado quando?

Padre Navas: Em Êcone e fui ordenado em 29 de junho de 1984 (naquele ano, festa do Sagrado Coração de Jesus) por Monsenhor Lefebvre.

Fratres in Unum: Por que deixou a Fraternidade São Pio X?

Padre Navas: Em poucas palavras: me inquietei muito ao conhecer as novas determinações de dar-se uma jurisdição, não dada pelo Papa, criando tribunais “canônicos” com a pretensão de ditar verdadeiras sentenças vinculantes (“Nossas sentenças substituem as sentenças da Rota Romana”, afirmou Mons. Tissier); ao apresentar minhas inquietações de consciência ao Presidente da Comissão Canônica que criou tal “jurisdição”, chamada de “suplência”, foi-me dada como única alternativa “buscar um bispo benévolo”.

Fratres in Unum: Hoje o senhor é Superior do Distrito da América Latina do IBP. Como conheceu os padres fundadores do Instituto e como se deu sua entrada no instituto?

Padre Navas: Alguns na França e outros coincidimos na época do seminário. Havendo sido regularizado, se não me recordo mal, no ano de 2000 pelo Sr. Cardeal Jorge Medina que pessoalmente iniciou imediatamente um processo de incardinação em Santiago que se dilatou por vários anos sem conclusão; o qual resultou providencial já que para a criação do IBP não só coincidia com meus antigos e conhecidos irmãos no Sacerdócio (cujas dificuldades seguia muito de perto pela internet), mas que estando regularizado canonicamente estava disponível para ajudar na obra querida e encarregada pelo Papa ao Novo Instituto de Direito Pontifício em que fui muito rapidamente incardinado pelo Superior Geral. Obrigado, Santo Padre!

Fratres in Unum: Com relação ao “ultimato” dado pela Santa Sé à Fraternidade São Pio X, especialmente a seu Superior, Mons. Fellay. O que o senhor constata como motivo principal para que a regularização canônica da FSSPX ainda não se tenha dado?

Padre Navas: “Ultimato” me parece ser uma forma de dizer… ao que parece, as coisas avançam e o resultado dos intercâmbios de cartas parecem positivos. Oremos para que, pelo Bem da Igreja, se supere todos os obstáculos.

Fratres in Unum: O motu proprio Summorum Pontificum completa, neste domingo, 14, um ano em vigor e, não sem dificuldades, a missa na forma extraordinária do rito romano espalha-se pelo mundo todo. Que análise o senhor faz deste primeiro ano?

Padre Navas: Em relação ao que existia anteriormente, me parece que se está avançando na difusão da forma extraordinária, embora ainda reste muito por fazer nesse sentido. Muitos católicos têm podido acessar a riqueza da tradição litúrgica que põe o acento no sobrenatural transcendente que tem como centro, inclusive arquitetônico, Nosso Senhor Jesus Cristo transubstanciado na Hóstia Consagrada, favorecendo o culto de adoração eucarística e a expressão do sentido propiciatório; recuperar estas realidades tem sido uma constante preocupação do Papa inclusive desde sua época de Cardeal Ratzinger.

É de se desejar que a liberdade de direito reconhecida no Motu Proprio chegue a ser logo, em todas as dioceses, aceita e colocada em prática como o Papa deseja. Oremos para que assim seja.

Fratres in Unum: O Papa hoje visita a França, país onde se desenvolve de maneira especial o problema litúrgico. O Padre Laguerie, em seu último artigo, diz que a unidade da Igreja no futuro dependerá da maneira com que os bispos tratarem os institutos que preservam a missa tradicional hoje. O que se pode dizer da reacção do episcopado ao motu proprio?

Padre Navas: Certamente, a necessidade da hermenêutica da continuidade remarcada no ensinamento do Papa requer que não somente se expresse na doutrina, mas também no culto, como o Papa afirma no mesmo Motu Proprio — “Lex orandi, Lex credendi” – citando o conhecido princípio do Papa São Zeferino. É assim que a questão litúrgica que o Papa quer solucionar não se reduz ao mero aspecto estético ou cultural – que existe – mas que, como os bispos da França e mais outros reconhecem publicamente, conota fundamentalmente uma dimensão teológica. De maneira, pois, que o rechaço sistemático (explícito ou implícito) em acolher ou simplesmente em permitir o exercício do carisma dos institutos a que você se refere, queira ou não, constitui um obstáculo colocado na reintegração à unidade católica não somente dos grupos cismáticos ortodoxos (muito fiéis à sua tradição litúrgica), se não que ao mesmo tempo dá fundamento às reticências dos chamados grupos tradicionalistas em relação à convivência canónica que hoje lhes é oferecida pelo Santo Padre.

Da eficaz e entusiasta acolhida destes grupos por parte da autoridade locais depende o êxito da acção pastoral desdobrada pelo Papa visando a unidade da Igreja. O não fazê-lo representa objectivamente – sem querer julgar as intenções – também uma grave falta de caridade ante Deus e a Igreja.

Precisamente a, 12 de setembro de 2008, em sua viagem à França, o Santo Padre referindo-se ao que ele denomina “uma exigência normal da fé e da pastoral para um bispo” neste assunto declarou: “este motu proprio é sensivelmente um ato de tolerância, com um objectivo pastoral, para pessoas que foram formadas nesta liturgia, que a amam, a conhecem, e querem viver com esta liturgia”.“É um pequeno grupo, pois supõe uma formação em latim, uma formação numa certa cultura. Mas me parece uma exigência normal da fé e da pastoral para um bispo de nossa Igreja ter amor e tolerância por estas pessoas e lhes permitir viver com esta liturgia”, reconheceu o Papa.